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  • Foto do escritorSuely Romero Hauser

Rebobinar a vida. Ah, se pudesse...


A palavra rebobinar é utilizada em nosso idioma para designar a ação que consiste em enrolar novamente uma fita magnética ou rolo de bobina, ou seja, voltar a bobinar. Conceito ultrapassado porque as tecnologias atuais tomaram conta da situação, mas quem viveu as décadas de 80 e 90 sabe bem o que é isso. Ela sabe muito bem o que isso significava. Nascida no fim da década de 70, rebobinar fitas cassetes para gravadores e, mais tarde, as de VHS dos videocassetes, ela experimentou esses desafios. Era o que tinha de mais novo, mais tecnológico. E era feliz. Rebobinar a vida! Era isso que ela tem vontade de fazer agora. Numa nova fase, mais madura, ela experimenta a solidão, a depressão de ter visto a vida passar tão rapidamente que nem sentiu. Os atropelos do dia a dia impediram-na de se ver. Queria voltar no tempo e fazer tudo diferente. Tudo! E tudo é muita coisa. Descasar, desnamorar, desconhecer o homem a quem jurou fidelidade e amor eternos. Quem em sã consciência pode fazer um juramento desses? Se pudesse rebobinar esse episódio da sua vida, ela não teria se casado, não teria se anulado tanto em nome de algo que nem se lembra mais o que é. Ser mãe talvez tenha sido o único ganho real desse relacionamento. Apesar disso, a maternidade também foi responsável por, muitas vezes, ela ter que aturar muitas situações. Calou-se. Incrível como muitas mulheres fazem essas concessões apoiadas no discurso de que os filhos merecem essa sobrecarga. Sim. Ao dizer que aguentou tantos perrengues em nome do bem dos filhos é jogar sobre eles uma grande responsabilidade pela felicidade dos pais. Um fardo pesado demais e uma desculpa inconsciente para si mesma para amparar sua falta de coragem de sair do casulo. Desmaterializar-se não é algo que ela deseja. Os filhos talvez tenham sido sua recompensa por sua anulação. Rebobinar. Queria voltar no tempo em que seus pais ainda estavam aqui com saúde e sendo os seus principais referenciais. A perda recente deles, mortes tão próximas, abalou sua estrutura emocional. A depressão veio como uma condição. O limite foi ultrapassado. Deixou a vida passar e seus pais se foram. Uma realidade difícil de lidar de forma equilibrada. A tristeza do luto revelou que outros lutos ocorriam dentro ela. Como os pais, morreram seus sonhos, suas esperanças, o seu casamento, a sua crença num relacionamento que não lhe acrescenta. Antes, esse vínculo subtrai sua energia, sua coragem, mina suas expectativas. O ato de rebobinar a vida é a vontade de retomar a rédea dos seus desejos. Não quer mais esse relacionamento frio. Para ela, o amor é quente, bem servido como um café. Aromatizado. Saboreado. E, ultimamente, o que ela tem é um café bem frio e ralo. Incapaz de fazer sua pupila brilhar, seu sorriso se estender de canto a canto. A vida passa e ela sabe. Ela entende que perdeu oportunidades. Fato. Mas ainda há muito o que se viver e se amar. Filhos criados, ela quer seguir sua rota. Fez suas más escolhas, é verdade. Mas estão feitas. Rebobinar é impossível. Mas ela percebe que o roteiro está posto, mas a história não está totalmente escrita ou finalizada. Ela é autora da sua vida. Ela dirige seu script. Não será uma coadjuvante. Ela é protagonista. Ainda que não se sinta assim ou que as pessoas que estão perto dela julguem loucura sua mudança, ela está se autodescobrindo. Não é mais indiferente. Ela está sim, diferente. E isso afetará todas as suas escolhas posteriores. E quem quiser que a acompanhe. Ou a deixe seguir.


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