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  • Foto do escritorSuely Romero Hauser

Corona e seus homônimos

Ela envelheceu. Com elas, seus sonhos foram ficando cada vez menores e mais insignificantes. Sua vida toda e tantas esperanças passaram diante dos seus olhos sempre marejados por algum cisco ou um sentimento que lhe toma o coração e a alma. Mas se lembra bem de sua juventude principalmente agora nesses tempos sombrios. Tempos de coronavírus! Ela pertence a uma época em que o termo corona já esteve em melhores circunstâncias. Quando ainda era uma moça, assistia pela TV às novelas globais e era apaixonada por Lauro Corona, ator que foi considerado o galã do horário das seis e encantava as jovens. Com seus olhos azuis e doce jeito de bom moço, estampava as principais revistas da época: Amiga, Contigo!, Sétimo Céu, entre outras. E, ela, claro, colecionava todas. Bons tempos em que um artista era capaz de acalentar os anseios de uma jovem. Sim, Corona era uma palavra que lhe remetia a coisa boa do seu passado. Um jovem talentoso que morreu vítima de complicações da AIDS, doença crônica causada pelo vírus HIV e que lhe ceifou a vida de sucesso aos 32 anos ainda no auge de sua fama com novela Vida Nova (1988) em que representava um imigrante português apaixonado por uma judia. Com sua morte, o elenco seguiu os últimos capítulos sem seu principal artista, o mais doce. Desde então, passou a não ver mais a novela. Ela também foi colecionando amores que não davam em nada. Foi aguando suas flores murchas e se tornando o espectro de quem gostaria de ter sido. Mas guardava boas lembranças como o dia em que o pai conseguiu comprar o primeiro chuveiro elétrico para a família. Uma ducha Corona. Anos 70 e 80 poucas casas tinham uma novidade como aquela. De cor vermelha, o aparelho proporcionava banhos quentes e tinha um jingle bem “chiclete” aos ouvidos. O ano era 1976. E eram assim os versos que se repetiam na canção por três vezes.

Apanho o sabonete Pego uma canção e vou cantando sorridente Duchas Corona, um banho de alegria num mundo de água quente

Não oferecia nenhum mundo de água quente como dizia a propaganda, o reclame (os antigos saberão o que é isso), mas era muito melhor do que se tinha até então. Modernidade. Tempos que estavam anunciando um mundo melhor. A saudade de ser mais crédulo do que hoje e que só a juventude pode oferecer. Na atualidade, nos tempos modernos em que ela acreditava que seriam mais avançados e melhores para se viver, o termo corona remete a uma família de vírus que causa infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus foi descoberto em 31/12/19, após casos registrados na China, e tem provocado a doença chamada coronavírus, conhecida como COVID-19 e que conseguiu a proeza de dar uma pausa na humanidade. O mundo rendeu-se ao isolamento forçado e todos estão em casa (#todosemcasa) por um tempo indeterminado. As mortes aumentam a cada dia e os notícias conseguem nos apavorar ainda mais. As autoridades não chegam a um consenso e as rivalidades políticas dão o tom de muitas discussões sem sentido. Panelaços e hospitais de campanha demonstram que a coisa é mais séria do que acreditava no início dessa quarentena. Não tem como negar que a pandemia assola o mundo como não se via desde a gripe espanhola em 1918. Até o Papa Francisco, autoridade máxima da Igreja Católica, concedeu a benção especial “Urbi et Orbi” (“à cidade [de Roma] e ao mundo”)na Praça São Pedro, no Vaticano, totalmente vazia e sob uma chuva contínua. Os céus choravam. O Santo Padre, abatido e cambaleante, lembrou que o “mundo está doente” e implorou a Deus para revigorar a fé. No seu semblante, o peso de ser o representante de Deus na Terra para todos os cristãos católicos. Não houve quem não se emocionasse diante do clamor do Santo Papa que considerou esse tempo de emergência para a humanidade e convidou os católicos de todo o mundo a unirem-se espiritualmente em oração com ele. Um momento de grande comoção no último dia 27 de março. Diante de todos esse caos que se tornou o mundo, ela percebe que as pessoas voltam-se para as coisas essenciais. Sem poder sair de casa, todos buscam conviver em harmonia e rezam para que esse mal que assola o mundo seja destruído. Médicos, enfermeiros, voluntários têm sido chamados aos socorros que parecem não ter fim. As vidas de muitas pessoas tiveram um final abreviado pelas complicações da doença sobre a qual pouco se sabe. Cada família refugia-se dentro de sua própria moradia e sofre a dor de não poder mais fazer as rotinas a que estavam acostumadas. Um mundo que aniquila os refugiados tornou-se um campo deles. E um novo comportamento social é exigido de todos. Distanciamento físico, máscaras nos rostos e produtos como álcool gel e antissépticos para lidar com o inimigo. Idosos são as principais vítimas e estão proibidos de sair às ruas sem motivo. O direito de ir e vir está restrito em tempos de pandemia e de quarentena. Uma reclusão, um confinamento para pessoas livres ou que assim se consideravam. A liberdade parece agora algo muito volátil em tempos como esses. Uma modernidade amedrontadora.

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